A Teoria dos Dois Evangelhos, também conhecida como Teoria de Griesbach, é uma hipótese sobre a origem e a relação dos Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas). Proposta por Johann Jakob Griesbach, um estudioso bíblico alemão do final do século XVIII, essa teoria sugere que o Evangelho de Mateus foi escrito primeiro, seguido pelo Evangelho de Lucas, e que Marcos utilizou ambos como fontes, criando assim um resumo conciso dos eventos e ensinamentos encontrados nos dois evangelhos anteriores.
Essa teoria contrasta
significativamente com a hipótese das duas fontes, que sugere que Marcos foi o
primeiro evangelho a ser escrito e que tanto Mateus quanto Lucas usaram Marcos
e uma fonte hipotética adicional, conhecida como “Q”, para compor seus evangelhos.
A Teoria dos Dois Evangelhos propõe, portanto, uma sequência diferente de
dependência literária, com Marcos servindo como um condensador dos relatos mais
extensos de Mateus e Lucas, em vez de ser a fonte original.
Griesbach baseou sua teoria em uma
análise detalhada das semelhanças e diferenças textuais entre os evangelhos
sinópticos, argumentando que a ordem proposta pela sua teoria explica melhor as
variações e os paralelismos observados nos textos. Embora não seja a teoria
dominante entre os estudiosos modernos, a Teoria dos Dois Evangelhos continua a
ser uma contribuição importante para o estudo crítico dos Evangelhos e oferece
uma perspectiva alternativa sobre a complexa questão da inter-relação dos
textos sinópticos.
Descrição da Teoria
Segundo a Teoria de Griesbach:
- Filho de Davi: Este título messiânico é usado repetidamente (Mateus 1:1, 9:27, 12:23, 15:22, 20:30-31), sublinhando a linha de descendência real de Jesus e sua legitimidade como o Messias esperado pelos judeus.
- Filho de Abraão: Na genealogia de
Jesus (Mateus 1:1-17), Mateus traça a linhagem de Jesus até Abraão, enfatizando
sua conexão com o patriarca do povo judeu.
- Citações Diretas: Ele cita
diretamente profetas como Isaías, Jeremias, e outros, interpretando a vida de
Jesus como a realização das expectativas messiânicas judaicas (por exemplo,
Isaías 7:14 em Mateus 1:23, Miquéias 5:2 em Mateus 2:6).
- Rituais e Festas Judaicas: Mateus
descreve Jesus observando festas judaicas e rituais (por exemplo, a celebração
da Páscoa em Mateus 26:17-19).
A genealogia de Jesus em Mateus 1:1-17 é organizada em três conjuntos de 14 gerações, seguindo uma estrutura judaica tradicional. Esta genealogia conecta Jesus diretamente a Abraão e Davi, figuras centrais na história judaica, sublinhando a legitimidade messiânica de Jesus.
- Uso do Aramaico e Hebraico:
Mateus preserva expressões aramaicas e hebraicas, como “Raca” (Mateus 5:22) e
“Eli, Eli, lama sabachthani?” (Mateus 27:46), mostrando uma familiaridade com a
língua falada pelos judeus na Palestina.
- Ensino nas Sinagogas: Jesus é
retratado ensinando nas sinagogas, que eram os centros da vida religiosa e
comunitária judaica (Mateus 4:23, 9:35, 13:54).
Problemas da Hipótese das Duas Fontes e a Plausibilidade da Teoria dos Dois Evangelhos
- A Fonte Q é uma entidade teórica;
não há manuscritos ou fragmentos antigos que comprovem sua existência. A
ausência de qualquer evidência física direta para Q levanta questões sobre a
sua realidade histórica (Farmer, 1964).
- A Hipótese das Duas Fontes deve
explicar por que Mateus e Lucas, ao utilizarem Q, muitas vezes apresentam
material semelhante de maneiras diferentes. Isso sugere uma revisão ou
adaptação independente que não é sempre fácil de justificar.
- A suposição de que Mateus e Lucas
usaram Marcos como a base principal é questionada por algumas evidências
textuais que sugerem que, em várias passagens, Marcos parece ser uma versão
mais condensada ou simplificada do material presente em Mateus e Lucas
(Stanton, 1992).
- Mateus e Lucas divergem
significativamente na ordem dos eventos e discursos em comparação com Marcos. A
Hipótese das Duas Fontes deve explicar porque ambos os autores decidiram
reorganizar Marcos de maneiras tão diferentes, algo que não é sempre convincente
(Tuckett, 2005).
- A teoria propõe que Mateus foi o
primeiro Evangelho escrito. Isso é consistente com a tradição eclesiástica
antiga, incluindo os escritos de Papias, que indicam que Mateus escreveu
primeiro (Black, 2010).
- Segundo Griesbach, Lucas escreveu
seu Evangelho conhecendo e utilizando Mateus. Isso explica as semelhanças e
diferenças sem a necessidade de uma fonte hipotética adicional. Lucas
reorganiza e adapta o material de Mateus para sua audiência gentílica (Farmer,
1964).
- A teoria sugere que Marcos
utilizou tanto Mateus quanto Lucas para compor seu Evangelho. Isso pode
explicar por que Marcos parece ser uma versão mais concisa e muitas vezes omite
detalhes encontrados em Mateus e Lucas. Marcos pode ser visto como um harmonizador,
combinando e simplificando os dois relatos (Stanton, 1992).
- A teoria dos dois Evangelhos argumenta
que a ordem dos eventos em Mateus e Lucas pode ser mais naturalmente explicada
se Lucas usou Mateus como base, ao invés de ambos dependentes de Marcos. Isso
resolve alguns problemas de ordem narrativa encontrados na Hipótese das Duas
Fontes (Tuckett, 2005).
- A ênfase de Mateus em práticas e
contextos judaicos, como discutido anteriormente, sugere uma composição
primária destinada a uma audiência judaica. Isso é consistente com a ideia de
que Mateus foi o primeiro a ser escrito, proporcionando um fundamento sólido
para Lucas e Marcos desenvolverem seus relatos subsequentes (Keener, 1999;
Davies & Allison, 1988-1997).
Examinando as evidências disponíveis a chamada Hipótese das Duas Fontes enfrenta desafios significativos, especialmente em relação à natureza hipotética da Fonte Q e as complexidades de dependência textual entre os Evangelhos sinóticos. A Teoria dos Dois Evangelhos, ou Teoria de Griesbach, oferece uma alternativa que é mais consistente com as tradições e evidências internas dos Evangelhos. Ao sugerir que Mateus foi o primeiro Evangelho escrito, seguido por Lucas e depois por Marcos, se soluciona várias inconsistências e fornece uma explicação coerente para as semelhanças e diferenças entre os textos sinóticos.
Conclusão
Portanto diante do exposto, concluímos que a Teoria dos Dois Evangelhos oferece uma perspectiva interessante e melhor sobre a origem e a interdependência dos Evangelhos sinóticos. Embora não seja a teoria dominante hoje, fornece uma base para a discussão acadêmica e incentiva a investigação contínua sobre como os textos dos Evangelhos foram compostos e transmitidos. A ideia de que Mateus foi o primeiro Evangelho a ser escrito continua a ser uma hipótese relevante e significativa dentro dos estudos bíblicos, e segundo a opinião do presente autor possui forte embasamento por evidências internas e reflete a rica diversidade de pensamento sobre as origens dos textos fundamentais do Novo Testamento.
Referências
BLACK,
David Alan. Why Four Gospels? The Historical Origins of the Gospels. Kregel Publications,
2010.
DAVIES, W.D., e Dale C. Allison Jr. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew. 3 vols. T&T Clark, 1988-1997.
FARMER, William R. The Synoptic Problem: A Critical Analysis. Macmillan, 1964.
KEENER, Craig S. A Commentary on the Gospel of Matthew. Eerdmans, 1999.
LUZ, Ulrich. Matthew 1-7: A Commentary. Hermeneia Series. Fortress Press, 2007.
MOO, Douglas. Matthew: The NIV Application Commentary. Zondervan, 1995.
STANTON, Graham N. A Gospel for a New People: Studies in Matthew. Westminster John Knox Press, 1992.
TUKTETT, Christopher. The Synoptic Problem: A Way Through the Maze. T&T Clark, 2005.
TASKER, R.V.G . Mateus, Introdução e Comentário. Edições Vida Nova, 2006
Diogo J. Soares