A Datação dos Evangelhos Sinóticos Antes do Ano 70 d.C.: Evidências Históricas e Acadêmicas



A datação dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) é um tema de grande importância para os estudos bíblicos e para Fé Cristã. Determinar se esses textos foram escritos antes ou depois da destruição de Jerusalém em 70 d.C. influencia nossa compreensão sobre a confiabilidade histórica dos Evangelhos, a evolução das tradições cristãs primitivas e a figura de Jesus de Nazaré. Neste breve artigo apresentaremos uma argumentação detalhada para a datação dos Evangelhos Sinóticos antes do ano 70 d.C., apoiada por evidências históricas e acadêmicas.

Evidências Históricas Internas

1. A ausência de menção à destruição de Jerusalém (70 d.C.)

Os Evangelhos Sinóticos como também Atos dos Apóstolos não fazem referência explícita à destruição do Templo de Jerusalém, um evento de enorme importância histórica e teológica para os judeus especificamente e cristãos da época. É notável que em Atos especificamente se faz menção a figuras importantes na igreja primitiva que foram martirizadas, como por exemplo, Estevão, o martírio de Tiago Apóstolo, a prisão de Paulo em Roma; porém, Lucas o autor, especificamente não faz menção a destruição do templo que ocorreu em 70 d.C. Se esses textos tivessem sido escritos após 70 d.C., como alguns afirmam,  seria razoável esperar que esse evento fosse mencionado, especialmente dado o impacto catastrófico que teve na comunidade judaica. A ausência de tal menção sugere uma data anterior a 70 d.C.

2. Profecias sobre a destruição do Templo

As passagens que predizem a destruição do Templo (por exemplo, Marcos 13:2, Mateus 24:2, Lucas 21:6) são frequentemente interpretadas como profecias ex eventu (após o evento), escritas depois da ocorrência para conferir legitimidade às palavras de Jesus. No entanto, há argumentos de que essas profecias poderiam ter sido feitas antes do evento, considerando que a tensão entre judeus e romanos já era palpável nas décadas anteriores à guerra judaico-romana e na reputação de Jesus como profeta.

Evidências Históricas Externas

1. Testemunho de Papias de Hierápolis

Papias, um bispo do século II, refere-se à existência dos Evangelhos de Mateus e Marcos já em sua época, e atribui esses textos a seus respectivos autores. Ele menciona que Marcos serviu de intérprete de Pedro e que Mateus compilou os ensinamentos de Jesus em hebraico. Esse testemunho, mesmo que datado de um período posterior, sugere a existência de tradições sobre esses textos anteriores a 70 d.C.

2. Escritos de Clemente de Roma e Inácio de Antioquia

As cartas de Clemente de Roma (c. 95 d.C.) e de Inácio de Antioquia (c. 110 d.C.) contêm diversas alusões e citações que parecem derivar dos Evangelhos Sinóticos. A familiaridade desses autores com os textos sugere que os Evangelhos já estavam em circulação e tinham alcançado um grau de aceitação considerável antes do final do primeiro século.

Análise Acadêmica

1. Critérios de múltipla atestação e dissimilaridade

Os acadêmicos frequentemente utilizam critérios de múltipla atestação e dissimilaridade para datar textos antigos. Múltipla atestação refere-se a tradições ou ditos de Jesus encontrados em várias fontes independentes. Dissimilaridade se refere a materiais que diferem significativamente das tradições judaicas contemporâneas ou da teologia cristã posterior. Vários ditos e eventos registrados nos Sinóticos possuem múltipla atestação (por exemplo, nos escritos paulinos, que são geralmente datados entre 50 e 60 d.C.) e apresentam dissimilaridades que sugerem uma origem antiga.

2. Estudo de fontes e desenvolvimento teológico

A análise das fontes utilizadas nos Evangelhos Sinóticos sugere que Marcos foi o primeiro a ser escrito, seguido por Mateus e Lucas, que usaram Marcos como fonte (a hipótese das duas fontes). A simplicidade teológica relativa de Marcos, em comparação com o desenvolvimento teológico mais avançado em Mateus e Lucas, sugere uma progressão temporal. Se Marcos foi escrito antes de 70 d.C., Mateus e Lucas devem ter seguido pouco depois.

Considerações Finais

A datação dos Evangelhos Sinóticos antes de 70 d.C. é sustentada por várias linhas de evidência interna e externa, assim como por análises acadêmicas robustas. A ausência de referências à destruição do Templo, os testemunhos de escritores cristãos primitivos e os critérios de análise textual corroboram a hipótese de uma composição anterior ao fatídico ano de 70 d.C. Esta conclusão tem implicações significativas para a compreensão da história do Cristianismo primitivo e a autenticidade das tradições sobre Jesus de Nazaré.

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Referências

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Diogo J. Soares


DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão.

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