A Historicidade de Jesus: Análise das Fontes Extra-Cristãs


A historicidade de Jesus de Nazaré tem sido amplamente discutida, e a análise das fontes extra-cristãs é crucial para evidenciar a existência histórica de Jesus fora dos textos bíblicos. Embora os Evangelhos e outros textos do Novo Testamento sejam as principais fontes sobre Jesus, a presença de referências fora do cristianismo oferece um panorama adicional para a discussão histórica. Neste artigo examinaremos de maneira breve as principais fontes extra-cristãs que atestam a existência histórica de Jesus e por fim analisaremos sua importância para a reconstrução histórica do período.

Fontes Históricas e Arqueológicas

1. Flávio Josefo (c. 37-100 d.C.)

Flávio Josefo, um historiador judeu, escreveu extensivamente sobre a história do judaísmo e da Palestina no período do Segundo Templo. Em suas obras, "Antiguidades Judaicas" (Antiquitates Judaicae), há duas menções relevantes a Jesus.

Tiago, o irmão de Jesus: "Tiago, o irmão de Jesus, que é chamado Cristo" (Antiquitates Judaicae, 20.9.1). 

Esta breve referência confirma a existência de uma figura histórica chamada Jesus, que era conhecida entre seus contemporâneos.

Testimonium Flavianum: "Naquele tempo havia um homem sábio, se é que é lícito chamá-lo de homem. Pois ele fez feitos maravilhosos, era mestre daqueles que recebem a verdade com prazer. Ele atraiu muitos judeus e muitos também de origem grega. Este era o Cristo. E quando Pilatos, por sugestão dos principais homens entre nós, o condenou à cruz, aqueles que o tinham amado desde o início não cessaram de amá-lo. Pois ele apareceu-lhes vivo no terceiro dia, como os divinos profetas tinham predito estas e muitas outras coisas maravilhosas sobre ele. E a tribo dos cristãos, assim chamada por ele, ainda não desapareceu até hoje." (Antiquitates Judaicae, 18.3.3).

Esta passagem, embora controversa quanto à sua autenticidade completa, contém elementos que são amplamente aceitos como uma confirmação da existência histórica de Jesus.

2. Tácito (c. 56-120 d.C.)

O historiador romano Tácito, em sua obra "Anais" (Annales), escrita por volta de 116 d.C., faz uma breve menção a Jesus.

Cristo e a Perseguição de Nero: "Mas nem mesmo o mais sutil dos criminosos pode ser comparado a esses que, embora estivessem agindo em segredo, são chamados cristãos. O fundador desse nome era Cristo, que, sob o reinado de Tibério, fora condenado à morte por Pôncio Pilatos, o procurador." (Anais, 15.44). 

Esta menção confirma a existência de Jesus e sua execução sob um procurador romano, corroborando elementos dos relatos evangélicos.

3. Suetônio (c. 69-122 d.C.)

Suetônio, outro historiador romano, menciona os cristãos em seu trabalho "Vidas dos Doze Césares" (De Vita Caesarum).

Tumultos em Roma: "Como os judeus estavam fomentando tumultos sob a liderança de Chrestus, ele [Cláudio] expulsou-os de Roma." (Vidas dos Doze Césares, Livro 5, Capítulo 25). 

Muitos estudiosos interpretam "Chrestus" como uma corruptela de "Cristo," sugerindo a presença e influência dos seguidores de Jesus em Roma durante o reinado de Cláudio.

4. Plínio, o Jovem (c. 61-113 d.C.)

Plínio, o Jovem, escreveu uma carta ao imperador Trajano sobre o tratamento dos cristãos em sua província da Bitínia.

Adoração a Cristo: "Eles costumavam se reunir em um dia fixo antes do amanhecer e cantar entre si um hino a Cristo como a um deus." (Carta a Trajano, Epistulae, 10.96). 

Esta evidência confirma a existência histórica de Jesus e o culto a ele, que já estava estabelecido em seus primeiros anos.

5. O Talmude Judaico

O Talmude, uma compilação dos ensinamentos rabínicos judaicos, contém referências a Jesus.

Execução de Jesus: "Na véspera da Páscoa, Jesus foi enforcado." (Talmude Babilônico, Sanhedrin 43a). 

Essas referências são significativas porque, apesar do viés negativo, confirmam a existência de uma figura histórica chamada Jesus, que foi considerada uma ameaça pelas autoridades judaicas da época.

Conclusão

A análise das fontes extra-cristãs revela que Jesus de Nazaré é uma figura histórica com base em evidências de historiadores romanos e judeus. Embora as referências sejam frequentemente breves e, em alguns casos, envoltas em debates sobre sua autenticidade e interpretação, elas oferecem uma confirmação substancial de que Jesus existiu como uma figura histórica. Estas fontes, juntamente com os relatos dos Evangelhos e outras evidências arqueológicas, ajudam a consolidar a imagem de Jesus não apenas como uma figura religiosa, mas como uma pessoa real que influenciou profundamente a história da era romana, judaica e da humanidade.

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Referências

JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. Tradução de William Whiston.

TÁCITO, Cornélio. Anais. Tradução de Alfred John Church e William Jackson Brodribb. 

SUETÔNIO. Vidas dos Doze Césares. Tradução de Alexander Thomson.

PLÍNIO, o Jovem. Cartas. Tradução de William Melmoth.

TALMUD. Talmude Babilônico. Tradução de Michael L. Rodkinson.

EHRMAN, Bart D. Jesus: Apóstolo dos Gentios. São Paulo: Editora Contexto, 2017.

HORSLEY, Richard A. Paul and Empire: Religion and Power in Roman Imperial Society. Trinity Press International, 1997.

WILKEN, Robert Louis.The Christians as the Romans Saw Them. Yale University Press, 1984.

Artigos:

CROSBY, Keith. "A Historicidade de Jesus nas Fontes Extra-Cristãs." Revista Brasileira de História das Religiões, v. 5, n. 1, p. 23-45, 2011.

MACK, Burton L. "The Historical Jesus in the Context of Roman Judaism." *Journal of Biblical Literature, v. 119, n. 3, p. 401-420, 2000

Capítulos de Livros:

HEINE, Ronald. "Fontes Extra-Cristãs e a Historicidade de Jesus." In:  KILGALLEN, John J.(Org.). Jesus e o Mundo Romano: Estudos sobre as Fontes Extra-Bíblicas. São Paulo: Paulus, 2005. p. 45-67.

Diogo J. Soares



DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro. Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão.

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