Transferência da Biblioteca Real de Lisboa para o Rio de Janeiro: Difusão da Bíblia e Impacto Cultural no Brasil


Diogo J. Soares

A transferência da Biblioteca Real de Lisboa para o Rio de Janeiro, ocorrida em 1810, foi um acontecimento crucial na história cultural do Brasil, especialmente no que diz respeito à difusão da Bíblia Sagrada. Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, um vasto acervo de obras religiosas, científicas e literárias foi trazido ao país, entre as quais se destacava a Bíblia, que até então era de acesso restrito à elite clerical e educada.

Este evento marcou um ponto de virada na propagação do texto bíblico no Brasil, facilitando o acesso a um número maior de pessoas e influenciando profundamente o desenvolvimento religioso e cultural do país. A chegada da Bíblia em maior escala contribuiu para a formação de uma identidade religiosa mais sólida entre os brasileiros e desempenhou um papel central na educação religiosa, sendo utilizada tanto nas igrejas quanto nos espaços de ensino.

Neste artigo, analisaremos como a transferência da Biblioteca Real e, em especial, a disseminação da Bíblia Sagrada, foi decisiva para a formação da cultura religiosa no Brasil. Analisaremos o impacto deste movimento na educação, na literatura e na vida espiritual dos brasileiros, destacando o papel da Bíblia como um dos pilares na construção do cenário religioso nacional.

Contexto Histórico: A Chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil

No final do século XVIII e início do XIX, o mundo estava em ebulição. As Guerras Napoleônicas provocaram uma série de transformações políticas e territoriais na Europa, forçando monarquias e governos a reagirem de maneiras dramáticas. Um dos eventos mais notáveis desse período foi a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, um movimento sem precedentes que teve implicações profundas para o desenvolvimento cultural e religioso do país.

Quando o então príncipe regente D. João VI (na época, D. João, Príncipe Regente de Portugal) decidiu transferir a corte para o Brasil, ele não apenas estava buscando proteger a soberania portuguesa das forças napoleônicas, mas também estava involuntariamente iniciando um processo de transformação cultural e intelectual na colônia. Junto com a família real, um dos tesouros mais valiosos de Portugal foi trazido para o Rio de Janeiro: a Biblioteca Real de Lisboa.

A Transferência da Biblioteca Real: Um Tesouro Intelectual no Novo Mundo

A Biblioteca Real, estabelecida oficialmente em 1796, era um dos maiores repositórios de conhecimento da Europa. Composta por aproximadamente 60 mil volumes na época, a coleção incluía manuscritos raros, obras de filosofia, ciência, literatura, e, claro, textos religiosos como a Bíblia. A decisão de transferir a biblioteca foi uma das mais importantes tomadas pela coroa portuguesa, uma vez que garantia que esse vasto acervo de conhecimento não caísse nas mãos dos invasores franceses.

A chegada da biblioteca ao Brasil representou um momento histórico de grande importância. O acervo, que antes era acessível apenas à elite intelectual de Lisboa, passou a influenciar o desenvolvimento cultural e educativo do Brasil. A fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, em 1810, dois anos após a chegada da família real, foi diretamente relacionada à transferência desse acervo. Isso transformou o Rio de Janeiro em um centro de difusão do conhecimento na América Latina, algo impensável poucos anos antes.


A Presença da Bíblia no Acervo e Sua Difusão no Brasil

Entre os volumes transferidos para o Brasil, a Bíblia ocupava um lugar central. O texto sagrado, em suas diversas edições e traduções, era não apenas um símbolo da fé cristã, mas também uma obra de imenso valor histórico e literário. O acesso a essas Bíblias, em edições que iam desde as impressas em latim até as traduções mais acessíveis ao público letrado da época, desempenhou um papel significativo na expansão do conhecimento religioso no Brasil.


Até o início do século XIX, o acesso à Bíblia no Brasil era limitado, principalmente porque a colônia portuguesa seguia as diretrizes da Igreja Católica, que restringia a leitura da Bíblia ao clero e a certos segmentos educados da população. A chegada da Biblioteca Real e a subsequente criação da Biblioteca Nacional mudaram esse panorama. Com o acervo ampliado e a crescente abertura para ideias e textos religiosos, a Bíblia começou a ser mais difundida entre a população letrada, contribuindo para o florescimento de uma cultura religiosa mais diversa e acessível.

Essa maior disponibilidade de Bíblias e outros textos religiosos foi acompanhada por um aumento na educação religiosa e no interesse pelos estudos bíblicos, que começaram a se expandir para além das elites clericais. Gradualmente, o texto bíblico passou a ser mais discutido e estudado, não apenas em contextos eclesiásticos, mas também em círculos intelectuais e, posteriormente, populares.

O Legado da Transferência: Impacto Cultural e Religioso

A transferência da Biblioteca Real de Lisboa para o Rio de Janeiro foi um dos muitos fatores que contribuíram para a formação de uma identidade cultural e intelectual distinta no Brasil. Com a chegada da família real e do seu acervo, o país começou a trilhar um caminho de desenvolvimento que, em muitos aspectos, refletia uma transição de colônia para nação independente, culminando na independência em 1822.

No que diz respeito à Bíblia, esse evento marcou o início de uma nova era para o cristianismo no Brasil. A presença do texto sagrado no acervo da Biblioteca Nacional não apenas preservou essas obras inestimáveis, mas também facilitou sua disseminação. Como resultado, a Bíblia passou a ser um elemento mais central na vida religiosa brasileira, influenciando desde práticas devocionais até debates teológicos e filosóficos.

Conclusão

A transferência da Biblioteca Real de Lisboa para o Rio de Janeiro foi um evento crucial na história do Brasil, não apenas como um marco cultural, mas também como um catalisador para a difusão da Bíblia no país. O impacto dessa transferência continua a ser sentido até hoje, com a Biblioteca Nacional permanecendo como uma das mais importantes instituições culturais do Brasil, e a Bíblia desempenhando um papel central na vida religiosa e cultural brasileira. O legado dessa transferência é, sem dúvida, um dos capítulos mais ricos e significativos da história intelectual do Brasil.

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Referências 

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Diogo J. Soares



DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro. Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão.

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