O pré-milenismo histórico é uma perspectiva escatológica que defende a crença de que Cristo retornará à terra antes do início de um reino milenar literal de mil anos, durante o qual Ele reinará em justiça e paz. Esse ponto de vista se distingue de outras posições escatológicas, como o amilenismo e o pós-milenismo, por sua interpretação mais literal de certas passagens bíblicas, especialmente do livro de Apocalipse. Historicamente, o pré-milenismo foi amplamente aceito nos primeiros séculos da igreja, sendo abandonado e resgatado em diferentes momentos da história da teologia cristã. Neste artigo argumentaremos que o pré-milenismo histórico está mais alinhado com o testemunho bíblico sobre o milênio e que ele reflete a crença dos primeiros cristãos. Por meio de uma análise bíblica e histórica, sustentaremos a plausibilidade desta interpretação.
Definição de Pré-Milenismo Histórico
O pré-milenismo histórico se baseia na crença de que a segunda vinda de Cristo ocorrerá antes de um reino milenar literal na terra, durante o qual Ele reinará em justiça. Isso se diferencia do pré-milenismo dispensacionalista, que introduz a ideia de um arrebatamento secreto antes do início da Grande Tribulação e uma distinção rígida entre a Igreja e Israel. No pré-milenismo histórico, a segunda vinda de Cristo é um único evento e é seguida pelo estabelecimento do milênio, no qual tanto Israel quanto a Igreja participam das bênçãos do reino.
Análise Bíblica
A principal passagem bíblica utilizada para sustentar a crença no milênio é Apocalipse 20:1-6. Nessa passagem, João relata uma visão onde Satanás é preso por mil anos, durante os quais Cristo reina com os santos ressuscitados. O pré-milenismo histórico interpreta este reinado como sendo literal e terrestre, contrastando com outras posições que veem o milênio como simbólico ou espiritual.
Apocalipse 20:1-6 diz:
"Vi descer do céu um anjo que tinha a chave do abismo e uma grande corrente na mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e o amarrou por mil anos. Lançou-o no abismo, fechou-o e pôs um selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações, até que os mil anos se completassem. Depois disso, é necessário que ele seja solto por um pouco de tempo. E vi tronos, e aos que se assentaram sobre eles foi dada autoridade para julgar. Vi as almas daqueles que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta nem a sua imagem e não receberam o sinal na fronte nem nas mãos. Eles voltaram a viver e reinaram com Cristo durante mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição. Sobre esses, a segunda morte não tem poder; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele durante mil anos." (Ap 20:1-6, NAA)
A interpretação pré-milenista histórico argumenta que este texto deve ser entendido de forma literal. Ou seja, há um período literal de mil anos durante o qual Cristo reinará de forma visível e física na terra. Esse ponto de vista é reforçado por outras passagens que falam de um futuro reino de paz e justiça, como Isaías 11:1-9 e Zacarias 14.
Em Isaías 11, vemos uma descrição do reinado do Messias, onde a justiça e a paz prevalecerão:
"Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes um renovo. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. E se deleitará no temor do Senhor; não julgará segundo a aparência, nem decidirá pelo que ouvir dizer; mas julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra. Ferirá a terra com a vara da sua boca e com o sopro dos seus lábios matará os ímpios. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade, o cinto dos seus rins. O lobo habitará com o cordeiro, o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará." (Is 11:1-6, NAA)
Aqui, Isaías profetiza um período futuro em que a justiça será estabelecida e a paz prevalecerá entre todas as criaturas, o que se encaixa na visão pré-milenista de um reino futuro literal de Cristo.
Além disso, Zacarias 14:9 descreve um tempo em que o Senhor será o único Rei sobre toda a terra: "O Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia um só será o Senhor, e um só será o seu nome." Esse domínio universal e visível do Senhor sobre a terra se alinha com a interpretação de um reino literal futuro.
O Testemunho dos Primeiros Cristãos
Historicamente, o pré-milenismo foi a visão dominante nos primeiros séculos da igreja. Muitos dos Pais da Igreja, como Papias, Irineu de Lyon e Justino Mártir, defendiam uma visão pré-milenista do reino futuro. Eles acreditavam que Cristo retornaria antes de um reino de mil anos na terra, onde Ele governaria com os santos.
Papias, por exemplo, um discípulo do apóstolo João, acreditava no reino literal de mil anos após o retorno de Cristo. Justino Mártir (100-165 d.C.), em seu Diálogo com Trifão, afirma explicitamente que ele e muitos outros cristãos acreditavam que "haverá uma ressurreição dos mortos, e mil anos em Jerusalém, que será então reconstruída, adornada e ampliada". Irineu, em sua obra Contra as Heresias, também defende um reino milenar literal.
Essa crença era, portanto, comum nos primeiros séculos do cristianismo, refletindo uma interpretação literal das passagens sobre o milênio. No entanto, a influência de teólogos como Agostinho de Hipona, que defendia uma interpretação mais alegórica do milênio, contribuiu para a ascensão do amilenismo, a visão de que o milênio é simbólico e já está em curso na era atual da igreja.
Comparação com Outras Perspectivas
O amilenismo, que se tornou proeminente com Agostinho, interpreta o milênio de Apocalipse 20 de maneira simbólica. Para os amilenistas, o milênio refere-se ao período atual da igreja, durante o qual Cristo reina espiritualmente no coração dos crentes, e a segunda vinda de Cristo marcará o fim da história. Embora essa interpretação tenha sido influente, sua abordagem alegórica contrasta com a interpretação mais literal e cronológica do pré-milenismo.
O pós-milenismo, por outro lado, ensina que a segunda vinda de Cristo ocorrerá após um longo período de paz e prosperidade na terra, resultante da expansão do evangelho. Embora essa visão também interprete o milênio de forma não literal, ela coloca uma grande ênfase na transformação gradual do mundo pelo poder do evangelho.
O pré-milenismo histórico, entretanto, sustenta que as promessas de um reino futuro de paz e justiça só serão cumpridas plenamente após o retorno de Cristo, refletindo uma leitura literal das passagens bíblicas e a expectativa dos primeiros cristãos.
Conclusão
Com base em uma leitura literal e cronológica de passagens como Apocalipse 20:1-6 e outros textos proféticos, o pré-milenismo histórico oferece uma interpretação plausível e coerente da escatologia bíblica. Além disso, o testemunho dos primeiros cristãos, que amplamente mantinham uma visão pré-milenista, reforça a historicidade dessa posição. Embora outras perspectivas tenham surgido ao longo da história da igreja, o pré-milenismo histórico continua a alinhar-se intimamente com o testemunho bíblico e com as crenças dos primeiros séculos da igreja.
Na expectativa de um reino literal de mil anos na terra, após o retorno de Cristo, permanece uma interpretação sólida e teologicamente defensável, baseada tanto na Bíblia quanto na tradição histórica da igreja.
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Referências
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Fontes Primárias dos Pais da Igreja
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Diogo J. Soares