Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books" de Michael J. Kruger, Um Resenha Analítica da Obra




Michael J. Kruger, no seu livro Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books (2012), (Em português: Canon Revisitado: Estabelecendo as Origens e a Autoridade dos Livros do Novo Testamento), aborda de maneira profunda e detalhada a questão da formação do cânon do Novo Testamento, focando especialmente nas suas origens e na autoridade dos livros que o compõem. Dr. Kruger, teólogo reformado e estudioso do Novo Testamento, busca oferecer uma explicação consistente e coerente sobre como a igreja primitiva reconheceu certos escritos como inspirados e autoritativos, muito antes da oficialização formal do cânon, o que desafia visões mais céticas ou críticas sobre o desenvolvimento da coleção neotestamentária. A obra de Kruger se destaca pela tentativa de conciliar perspectivas históricas, teológicas e bíblicas, lançando luz sobre como as igrejas do século I d.C. utilizaram os documentos do Novo Testamento como Escritura Divina ao lado do Antigo Testamento.

Propostas do Autor

Kruger parte da premissa de que a questão do cânon neotestamentário é frequentemente mal compreendida ou tratada de maneira inadequada, especialmente por abordagens críticas que defendem que a ideia de um "cânon" surgiu apenas séculos após a vida de Jesus e dos apóstolos. A tese principal de Kruger é que os cristãos primitivos reconheceram a autoridade dos escritos apostólicos muito antes do estabelecimento oficial do cânon no século IV, durante os concílios da igreja. Ele argumenta que esses textos eram tratados como inspirados e com autoridade divina pelas comunidades cristãs desde o início, sendo lidos e usados nas igrejas juntamente com o Antigo Testamento.

O autor propõe um modelo "multifatorial" para explicar o reconhecimento do cânon, o qual inclui três fatores principais: o fator divino (o testemunho interno do Espírito Santo), o fator apostólico (a autoridade dos apóstolos como porta-vozes diretos de Cristo), e o fator eclesiástico (o reconhecimento por parte da igreja). Kruger defende que a combinação desses três elementos foi essencial para que a igreja primitiva discernisse quais escritos deveriam ser considerados Escritura.



Principais Aspectos da Obra

Um dos aspectos mais significativos da obra de Kruger é a sua crítica às abordagens modernas e liberais que postulam que o cânon neotestamentário foi um produto de disputas eclesiásticas e políticas, sendo mais uma construção humana do que um reconhecimento da Revelação Divina. Kruger contesta essa visão ao mostrar que os escritos apostólicos eram recebidos como autoritativos já no século I, e que a igreja primitiva não criou o cânon, mas o reconheceu com base em certos critérios.

1. Testemunho do Espírito Santo: Kruger dá ênfase à ação do Espírito Santo como guia no reconhecimento dos livros canônicos. Ele argumenta que a inspiração divina e o testemunho do Espírito foram fundamentais para que os cristãos primitivos discernissem a autoridade dos textos. Esse fator é essencial, segundo Kruger, para entender como a igreja do primeiro século pôde identificar certos escritos como Escritura, mesmo antes de uma decisão formal e institucionalizada.

2. Autoridade Apostólica: A questão da autoria apostólica é central para a argumentação de Kruger. Ele afirma que a autoridade dos apóstolos, como testemunhas diretas da ressurreição de Cristo, como líderes da igreja primitiva, e Canais Diretos da Revelação de Deus, foi um fator determinante para o reconhecimento dos escritos canônicos. Textos atribuídos a apóstolos ou a seus associados diretos eram naturalmente considerados como possuindo Autoridade Divina, dado o seu vínculo com o ensino do Senhor Jesus Cristo. Kruger refuta a ideia de que a autoridade desses textos foi imposta pela igreja em tempos posteriores, argumentando que eles foram reconhecidos como inspirados logo após a sua redação.

3. Reconhecimento Eclesiástico: Embora Kruger não negue que o processo de canonização tenha envolvido um desenvolvimento histórico, ele argumenta que esse desenvolvimento foi mais um reconhecimento do que uma imposição. A igreja, segundo Kruger, simplesmente reconheceu aqueles livros que já possuíam Autoridade Divina intrínseca, dada sua origem apostólica e seu caráter inspirado. Kruger faz uma crítica aos modelos que enfatizam uma visão tardia e eclesiasticamente determinada do cânon, sugerindo que tal abordagem subestima o papel da comunidade cristã primitiva e do Espírito Santo nesse processo.

Também a proposta principal do autor é investigar como as igrejas cristãs do primeiro século chegaram a reconhecer os escritos do Novo Testamento como Escritura Divinamente inspirada. Kruger argumenta que o desenvolvimento do cânon não foi um processo aleatório ou puramente institucional, como algumas correntes críticas sugerem, mas sim um fenômeno intrínseco à própria Natureza Divina dos documentos do Novo Testamento. O objetivo de Kruger é responder à questão fundamental: "Como sabemos que os livros que temos no Novo Testamento são os corretos e possuem autoridade divina?"

Para isso, o autor defende a noção de que os textos canônicos do Novo Testamento possuem uma autenticidade interna e auto-autenticidade que testemunham sua Inspiração Divina. Em outras palavras, os próprios textos possuem características que indicam sua Procedência Divina, independentemente do reconhecimento oficial da igreja.

Estrutura e Metodologia

O livro é dividido em três partes principais:

1. Fundamentos Epistemológicos: Kruger aborda o tema da epistemologia canônica, destacando como podemos saber que os livros escolhidos para compor o Novo Testamento são, de fato, os que Deus inspirou. Ele rejeita a visão de que o cânon depende exclusivamente da autoridade eclesiástica (como defendido pela Igreja Católica Romana) ou de um consenso puramente histórico. Para Kruger, a Escritura tem uma auto-evidência que a torna reconhecível como tal pelos fiéis.

   2. Modelos de Cânon: Nesta parte, Kruger analisa os principais modelos de compreensão do cânon. Ele examina o "modelo comunitário", que sugere que o cânon é uma construção da igreja primitiva, e o "modelo histórico-crítico", que interpreta o cânon como resultado de processos humanos e decisões conciliares. O autor, no entanto, propõe um "modelo intrínseco", onde os livros são reconhecidos como canônicos devido à sua origem divina e à sua eficácia em transmitir a verdade revelada.

3. Critérios Canônicos: Kruger discute os critérios usados pelos primeiros cristãos para discernir quais livros deveriam ser considerados parte do cânon. Ele identifica três critérios principais: 

   - Apostolicidade: A conexão dos textos com os apóstolos ou seus associados.

   - Ortodoxia: A conformidade dos escritos com a "regra de fé" recebida das tradições apostólicas.

   - Catolicidade: O reconhecimento e uso universal ou amplo nas igrejas do primeiro século.

Kruger defende que esses critérios não foram inventados pelas igrejas pós-apostólicas, mas emergiram organicamente da interação entre os escritos e as igrejas à medida que estas discerniam a Autoridade Divina desses textos sob a orientação do Espírito Santo.

Contribuição para o Entendimento do Uso dos Documentos no Século I

Uma contribuição significativa da obra de Kruger é sua análise sobre o uso e a recepção dos documentos do Novo Testamento pelas igrejas locais no século I. Ele sustenta que, desde cedo, esses escritos eram vistos como inspirados e autoritativos, e que as igrejas já os utilizavam ao lado do Antigo Testamento como Escritura. Tal uso sugere que, mesmo sem uma coleção formalizada, os cristãos primitivos reconheciam a Autoridade Divina desses textos. Kruger argumenta que isso desafia a visão de que o cânon neotestamentário foi uma invenção tardia da igreja.

Kruger apresenta evidências de que textos como as Cartas de Paulo circulavam amplamente entre as igrejas e eram lidos publicamente como parte do culto cristão. Ele também discute como a igreja primitiva se envolveu na prática de preservar, copiar e disseminar esses escritos, demonstrando o valor sagrado que lhes era atribuído. Além disso, Kruger explora como o Novo Testamento começou a ser visto como uma extensão do Antigo Testamento, com os cristãos tratando esses escritos como parte do cumprimento da revelação de Deus.

Avaliação Final

Canon Revisited é uma obra erudita que oferece uma contribuição substancial para o estudo do cânon do Novo Testamento. Kruger apresenta um argumento convincente de que os escritos do Novo Testamento foram reconhecidos como inspirados e Autoritativos Divinamente desde cedo, e não meramente impostos por decisões conciliares tardias. Ao abordar a questão da autoridade desses textos sob uma perspectiva teológica e histórica, Kruger desafia visões mais críticas e oferece uma visão robusta e coerente do processo canônico.

A principal força do livro reside na sua capacidade de conciliar o testemunho histórico da igreja primitiva com uma perspectiva teológica robusta, enfatizando o papel do Espírito Santo no reconhecimento dos textos canônicos. Sua obra é uma leitura essencial para teólogos, historiadores e estudiosos interessados em compreender a formação do cânon do Novo Testamento e sua Autoridade Divina na vida da igreja.

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Referências 

KRUGER, Michael J. Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books. Wheaton: Crossway, 2012.

Diogo J. Soares




DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro. Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão.

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