O que é o Conceito de Inerrância Bíblica?





A doutrina da inerrância bíblica é uma das questões mais fundamentais dentro da teologia cristã, especialmente entre nós evangélicos. Ela postula que as Escrituras, nos manuscritos originais (Autógrafos), estão isentas de erro em tudo o que afirmam, seja em questões teológicas, históricas, morais ou científicas. Essa visão está profundamente enraizada no fato de que a Bíblia é a Palavra de Deus, sendo, portanto, inspirada por Ele de maneira sobrenatural e infalível. A relação entre a inerrância e a inspiração divina da Escritura é direta e inquebrantável, pois a primeira é uma consequência lógica da segunda. Se Deus é perfeito e incapaz de engano, e Ele é o autor último da Escritura, segue-se que a Bíblia Sagrada, em seus manuscritos originais, é igualmente infalível e inerrante.

Definição de Inerrância Bíblica

A inerrância bíblica pode ser entendida como a afirmação de que a Bíblia, nos seus textos originais, não contém erro algum, seja em seus ensinamentos religiosos ou em suas afirmações históricas e científicas. De acordo com a teologia cristã ortodoxa, a Bíblia é a revelação escrita de Deus ao ser humano, e devido à natureza de Deus como sendo veraz (João 17:17) e perfeito (Salmo 18:30), sua Palavra escrita também deve refletir essas qualidades.

Eruditos como Norman Geisler e R.C. Sproul argumentam que a inerrância não significa que a Bíblia sempre é literal ou que todas as passagens bíblicas devem ser lidas de maneira estritamente factual. A Bíblia emprega uma variedade de gêneros literários, como poesia, parábolas e profecias, e seu entendimento requer uma abordagem hermenêutica cuidadosa. No entanto, mesmo ao usar figuras de linguagem ou gêneros literários variados, as Escrituras permanecem verazes em tudo o que pretendem comunicar.

Fundamentos Bíblicos para a Inerrância

A base para a inerrância está firmemente apoiada em várias passagens bíblicas. O apóstolo Paulo, ao escrever a Timóteo, afirma a origem divina das Escrituras:

    “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16-17, ACF).

Aqui, a palavra traduzida como "inspirada" (do grego theopneustos) significa literalmente "soprada por Deus". Este texto estabelece claramente que a Escritura não é apenas um documento humano, mas tem origem no próprio Deus. Sendo inspirada por um Deus que é totalmente verdadeiro (Tito 1:2), segue-se que a Bíblia também reflete essa veracidade.

O Senhor Jesus Cristo também afirmou a autoridade e confiabilidade das Escrituras. Em João 10:35, Ele declarou:

A Escritura não pode falhar”.

Essa declaração simples, mas poderosa, indica a infalibilidade e inerrância da Palavra de Deus. Em Mateus 5:18, Jesus acrescenta:

Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”.

Cristo, portanto, afirmou a exatidão das Escrituras até em seus mínimos detalhes. Ele reconheceu que até mesmo a menor parte da Lei seria cumprida, estabelecendo que a Palavra de Deus é absolutamente confiável e precisa.

Relação entre Inerrância e Inspiração Divina

A doutrina da inerrância está intrinsecamente ligada à doutrina da inspiração divina. A inspiração refere-se ao processo pelo qual Deus supervisionou os escritores humanos, capacitando-os a escrever exatamente o que Ele queria, sem erro. Em outras palavras, Deus é o autor último da Bíblia, e os escritores humanos foram instrumentos usados por Ele para registrar sua revelação. Isso é claramente afirmado em 2 Pedro 1:21:

Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”.

Este versículo reforça a ideia de que a origem das Escrituras é divina, e que os profetas e escritores da Bíblia não estavam escrevendo por sua própria iniciativa, mas sob a direção do Espírito Santo. A inspiração garante que as palavras escritas na Bíblia são, em última análise, as palavras de Deus.

Se a Escritura é o produto da inspiração divina, então ela deve ser verdadeira em todos os seus aspectos. Deus, sendo perfeitamente santo e verdadeiro, não pode inspirar erro. Portanto, a inerrância é uma consequência natural da inspiração. Como afirma Millard Erickson, "inerrância significa que a Bíblia, quando corretamente interpretada, nas suas afirmações originais, será totalmente verdadeira e não conterá nenhuma falsidade ou engano."

Objeções e Respostas à Inerrância

Alguns críticos levantam objeções à doutrina da inerrância, especialmente quando confrontados com aparentes erros ou contradições nas Escrituras. Essas objeções geralmente surgem de interpretações erradas ou de uma falta de compreensão do contexto histórico e literário das passagens bíblicas. Por exemplo, discrepâncias entre relatos paralelos nos Evangelhos podem ser harmonizadas quando se entende que os evangelistas tinham diferentes pontos de vista como também propósitos teológicos e audiências em mente, o que os levou a destacar aspectos diferentes dos mesmos eventos.

Além disso, a inerrância se refere aos manuscritos originais (autógrafos), e não às traduções ou cópias subsequentes. Embora erros de copistas possam ter ocorrido ao longo da história, os estudiosos bíblicos têm mostrado que, através da crítica textual, é possível recuperar com grande precisão o texto original. Assim, as pequenas variações textuais que surgiram com o tempo não afetam substancialmente as doutrinas centrais do cristianismo.

Conclusão

A inerrância bíblica é uma doutrina vital para o cristianismo, pois está intimamente ligada à natureza de Deus e à inspiração divina da Escritura. Se Deus é perfeito, e se a Bíblia é inspirada por Ele, então é lógico concluir que a Bíblia, em seus manuscritos originais, é inerrante. Essa doutrina sustenta a autoridade das Escrituras e sua confiabilidade como guia infalível para a fé e prática cristãs.

Os cristãos podem, portanto, confiar plenamente na Bíblia como a revelação verdadeira de Deus, que não contém erro em nenhum aspecto que tenha a intenção de ensinar. Ela é útil para ensinar, corrigir e equipar o povo de Deus para toda boa obra, como Paulo ensina em 2 Timóteo 3:16-17, e continua a ser a pedra angular da fé cristã ao longo dos séculos.

__________________________________

Referências 

CARSON, D.A.; WOODBRIDGE, John D. Escritura e Verdade: Inerrância e Hermenêutica na Era Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2015.

ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997.

GEISLER, Norman. Inerrancy. Grand Rapids: Zondervan, 1980.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: Atual e Exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999.

PACKER, J.I. Fundamentalismo e a Palavra de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

SPROUL, R.C. Inerrancy: No Final das Contas. In: SPRINGFIELD, Stephen (Ed.). A Questão da Inerrância Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2016.

WALTON, John H.; SANDERS, T. M. The Lost World of Scripture: Ancient Literary Culture and Biblical Authority. Downers Grove: IVP Academic, 2013.

WOODBRIDGE, John D. Inerrância: A Questão Decisiva para a Autoridade Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2010.

Diogo J. Soares





DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem